Celular de índio

26, julho, 2014

_Post4Buzina1 © Gabriela Romeu _Post4Buzina2 © Gabriela Romeu

Foram duas semanas de trabalho intenso do projeto Tecendo Saberes com as crianças e jovens da aldeia São Vicente, localizada na Terra Indígena Kaxinawá do Rio Humaitá, no Acre. Mas quem diz que o povo Huni Kuin desanima?
A buzina de rabo de tatu, também chamada de “buzo”, era uma aliada da animação do grupo. Se era para reunir todo mundo, um menino disparava o som do buzo. Se alguém se atrasava, outro buzinava. Se era para comemorar, lá alguém disparava a buzina de novo.

Josemir Sabóia, uma das lideranças indígenas e professor da aldeia, brinca que esta buzina é o “celular do índio”. E era de verdade um jeito eficiente de reunir os participantes, que ouviam o som estridente do buzo lá de longe.

Para confeccionar o buzo, é preciso tirar taboca na mata, no tabocal, e caçar um tatu, o que não é uma tarefa lá muito fácil. O menino Clebisom de Oliveira Kaxinawá explica que os tatus vivem nas baixadas, nas áreas onde estão as grotas. Um jeito de caçar esse animal é caçar antes essas grotas, que geralmente ficam escondidas entre as folhas. Há algumas técnicas para tirar o tatu lá de dentro. Cutucar o buraco com o talo de alguma palmeira é uma delas. Outro jeito é jogar água na grota do tatu, contam as crianças. Dá para ouvir o barulho do bicho lá dentro, que parece a zoada de um helicóptero, dizem os meninos. “Tatu tem a voz do helicóptero”, brinca um deles.

As crianças listam pelo menos seis espécies diferentes desse animal: tatu-parafuso, tatu-canastra, tatu da grota, tatu-parafuso, tatu-china, tatu rabo de couro, que, depois de caçados, têm o rabo transformado em buzina e sua carne em almoço ou jantar. Quer dizer, quase todos vão para a panela. Muitos Huni Kuin não comem o tatu-canastra, que foi o animal que trouxe a noite para esse povo, “gente de verdade”.