Tradições em movimento

14, maio, 2015

maisvelhos

 

O foco do Projeto Tecendo Saberes é valorizar e disseminar as culturas tradicionais brasileiras através do olhar de suas crianças. Mas quando pensamos em “tradicional”, não pensamos numa ideia estanque de tradição, aquele mito do saber intocável que só pode ser perpetuado na transmissão pura do conhecimento dos mais velhos.

Toda cultura é dinâmica e está em movimento! É por isso que priorizamos uma metodologia dialógica e participativa onde as crianças são os protagonistas e catalisadores do levantamento e representação de aspectos de suas culturas a partir dos saberes e fazeres construídos no seu cotidiano.

Ao deixar às crianças este papel, elas acabam naturalmente apontando o valor dos conhecimentos dos mais velhos, interagindo com estes de forma lúdica e curiosa e se dando conta da importância de preservá-los.

O projeto nas comunidades que visitamos nasceu da preocupação compartilhada em valorizar suas identidades culturais e não deixar alguns conhecimentos ancestrais desaparecerem.

Como chamar a atenção dos mais novos para algo que existiu há tanto tempo? Como mostrar que suas raízes também estão na dança típica afro-brasileira, no modo de colher e preparar um fruto? E o  caminho escolhido foi deixar que as próprias crianças se dessem conta dessa importância brincando.

Nas conversas organizadas ou espontâneas das crianças com as pessoas mais velhas de suas comunidades, misturam-se os saberes e fazeres de antigamente com os saberes e fazeres atuais, dando origem a um produto totalmente novo.

O resultado é surpreendente para as crianças, para os professores e, principalmente, para os mais velhos.

Para as crianças, porque o processo de coleta de informações faz com que se sintam empoderadas e curiosas com a própria cultura.

Para os professores, por proporcionar um material pedagógico criado com conteúdo totalmente local que pode ser usado em diversas disciplinas.

Por fim, para os idosos, que, ao se depararem com os seus saberes transformados em um livro, nos disseram, várias vezes, emocionados, que “agora já posso morrer”, pois suas histórias e seus conhecimentos estavam impressos.

Separamos dois “causos” bacanas: a conversa das crianças indígenas com a avó Zenaide e a dos meninos quilombolas com dona Mariquinha, que, aos 65 anos, ainda trabalha no castanhal.

Dona Zenaide não fala português e diz que uma grande diferença entre o tempo dela e o de hoje é essa: as crianças atuais não só aprendem o português como não falam muito em Hãtxa Kuĩ, o idioma Huni Kuĩ, entre si. Ela conta que passou por maus bocados: viveu em tempo de guerra entre indígenas, foi escravizada por seringalistas e até pegou sarampo dos brancos. “Nossos parentes nunca viviam em paz. Hoje não tem mais guerra”, conta a avó.

Dona Mariquinha diz que não tem medo de nada e que aprendeu aos 13 anos com o pai a extrair a castanha-do-pará. É preciso ter força, coragem e atenção para ser um bom castanheiro: alguns deles ficam dois ou três meses direto na floresta, acampados, para fazer a coleta. “Minha vida é trabalhar. Se não puder vir pra castanha, eu fico doida!”