“Brabos” na vizinhança

8, julho, 2014

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Alguns já viram seus vestígios e rastros, poucos os viram de perto.Mas todo mundo ouve falar e sabe da presença dos “brabos”, como o povo Huni Kuin chama os índios sem contato, os isolados, com os quais dividem seu território.

As crianças Huni Kuin são cheias de histórias sobre os “brabos”. Ao puxar esse assunto com Erivando Sabóia Kaxinawá, que em Hãtxa Kuin é chamado de Ibã, logo o menino entra na casa e volta com uma flecha. Essa flecha foi lançada pelos “brabos” na direção de seu tio, o cineasta indígena Nilson Tuwe, importante liderança indígena que está fazendo um filme sobre esses vizinhos especiais.

Contam que é no verão que costumam ver mais os vestígios dos índios isolados. As crianças explicam que eles vivem em grandes malocas, compridas, que ficam meio escondidas na mata. “É coberta de palha, que começa do chão”, conta Clebisom de Oliveira Kaxinawá – Yube. “Vivem nu e têm cheiro forte”, diz Erivando. “Eles se pintam todo de preto”, completa Clebisom. Com a flecha que é prova da história em mãos, Erivando e Clebisom lembram o relato que ouviram dos mais velhos sobre o encontro com os “brabos”, num dia em que foram caçar na cabeceira do rio Humaitá. “Ouviram um grito e, de repente, viram três flechas caindo – zap, zap, zap. Depois, mais seis flechas!”, conta Clebisom. Com medo, o pai e o tio atiraram para cima, para assustar e afastar os “brabos”.

 O sertanista José Carlos Meirelles, que coordenou durante anos a Frente de Proteção Etnoambiental do Rio Envira, da Funai, é grande conhecedor do assunto. Meirelles conta que há pelo menos quatro povos isolados vivendo no Acre. Se hoje a política é de proteção dos índios isolados, houve um tempo em que a política era de contato, a orientação era se aproximar desses grupos na tentativa de “amansá-los”. Isso acontecia sempre que eles estavam no caminho da construção de uma estrada ou de uma usina hidrelétrica.

No contato com os brancos, muitos indígenas morriam, vítimas de doenças como gripe, sarampo e catapora, entre outras. No caso dos Huni Kuin, assim como outros povos do Acre, o contato com os brancos (nawa) a partir do final do século 19 deixou marcas tristes em sua história.

No livro Povos Indígenas no Acre, o sertanista Meirelles afirma que “muitos índios foram mortos e alguns povos desapareceram sem que soubéssemos quem eram ou que línguas falavam”.  Esse período é conhecido como “tempo das correrias”, os massacres nas aldeias. Depois, veio o “tempo do cativeiro”, em que os indígenas foram escravizados pelos patrões das seringas. (Gabriela Romeu)