Alfabeto local

22, maio, 2014

Ao ouvir mais de um aluno dizer que sua fruta preferida era maçã, Marie Ange Bordas, Coordenadora do Tecendo Saberes, ficou intrigada. Afinal, o clima equatorial do Baixo Amazonas, não é lá muito propício para a fruta típica de climas temperados. Tendo visitado diversas comunidades começou a desconfiar que uma parte da resposta para o mistério estava na escola. Mesmo que na hora do recreio as crianças se deliciassem com manga, ingá, taperebá e jambo, nas paredes de algumas salas de aula os abecedários e as cartilhas ilustradas traziam frutas que só aparecem por lá “importadas” da cidade, como “M” de maçã, “U” de uva…

Ao perceber esta distância entre as associações sugeridas pelos abecedários e a realidade local, Marie Ange lançou um desafio à criançada do Mondongo, pequena comunidade de várzea nos arredores do Rio Amazonas no Pará. Num trabalho coletivo e colaborativo, elas enumeraram, desenharam e fotografaram as representações do alfabeto do Mondongo. Assim a Zebra virou Zangão, a Uva, Urubu; o Queijo, Quiabo…

Impossível não lembrar de Paulo Freire ao perceber tamanha distância entre o processo de alfabetização e a realidade das crianças. Apesar de tantos belos programas instaurados nas escolas públicas valorizando os conhecimentos locais, como o Projeto Seiva, na própria escola do Mondongo, ainda temos bastante a avançar no caminho para uma educação de proximidade, reflexiva, crítica e empoderadora.