Os abecês das crianças do Norte

12, maio, 2015

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Ao ouvir mais de um aluno dizer que sua fruta preferida era maçã, Marie Ange Bordas, coordenadora do Tecendo Saberes, ficou intrigada. Afinal, o clima equatorial do Baixo Amazonas, não é lá muito propício para a fruta típica de climas temperados. Tendo visitado diversas comunidades, começou a desconfiar que uma parte da resposta para o mistério estava na escola. Mesmo que na hora do recreio as crianças se deliciassem com manga, ingá, taperebá e jambo, nas paredes de algumas salas de aula os abecedários e as cartilhas ilustradas traziam frutas que só aparecem por lá “importadas” da cidade, como “M” de maçã, “U” de uva…

Ao perceber essa distância entre as associações sugeridas pelos abecedários e a realidade local, Marie Ange lançou um desafio à criançada do Mondongo, pequena comunidade de várzea nos arredores do rio Amazonas no Pará. Num trabalho coletivo e colaborativo, elas enumeraram, desenharam e fotografaram as representações do alfabeto do Mondongo. Assim a Zebra virou Zangão, a Uva, Urubu; o Queijo, Quiabo…

Impossível não se lembrar de Paulo Freire ao perceber tamanha distância entre o processo de alfabetização e a realidade das crianças. Apesar de tantos belos programas instaurados nas escolas públicas valorizando os conhecimentos locais, como o Projeto Seiva, na própria escola do Mondongo, ainda temos bastante a avançar no caminho para uma educação de proximidade, reflexiva, crítica e empoderadora.

Depois, quando visitamos os meninos e as meninas Huni Kuĩ, que moram na aldeia São Vicente, no Acre, combinamos a mesma coisa: aprender com esses garotos como é o abecê Hãtxa Kuĩ. Este é o nome da língua desse povo indígena, que é falada no Brasil e no Peru.

Comparando com o português, olha que curioso: eles não têm a vogal “o” nem consoantes como “c”, “d”, “f”, “g” e “v”. Em compensação, têm outros sons, como o “sh” e o “ts”.

Esses alfabetos constituem uma importante ferramenta pedagógica e fazem parte dos livros “Manual das Crianças do Baixo Amazonas” e “Manual das Crianças Huni Kuĩ”. Foram produzidos pelo Projeto Tecendo Saberes, em parceria com o Instituto Catitu e patrocinado pelo Programa Petrobras Cultural.